Tocou fundo no coração de mães e pais gaúchos o depoimento da representante comercial Flávia Costa Hahn, autora do disparo que tirou a vida de seu único filho, Tobias Lee Manfred Hahn, 24 anos, viciado em crack, em 12 de abril, domingo de Páscoa. Publicado na sexta-feira em Zero Hora e no Diário Gaúcho, o relato despertou assombro e compaixão e acendeu uma luz de alerta nos lares do Rio Grande do Sul.Na entrevista, Flávia revelou detalhes da infância e da adolescência do filho. Afirmou ter errado ao se deixar dominar pelo jovem e por não ter sido enérgica quando ele começou a usar maconha. Arrependida, ela também afirmou que as mulheres deveriam abandonar o trabalho para se dedicar à maternidade, evitando, assim, o risco das drogas.Polêmicas, as declarações de Flávia trouxeram inquietação a milhares de mães que se dividem entre os filhos e a carreira e não conseguem destinar tempo integral às crianças. Também preocuparam pais de filhos únicos, que inevitavelmente acabam no centro das atenções familiares.A pedido de Zero Hora, três especialistas analisaram trechos do depoimento de Flávia e indicaram até que ponto a trágica história da família Hahn pode servir de exemplo para evitar novas tragédias. Confira a seguir a avaliação dos psiquiatras Carla Bicca, do ambulatório de Terapia Cognitiva do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, na Capital, Carlos Salgado, coordenador do Departamento de Dependência Química da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, e Jair Segal, do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre.HIPERATIVIDADEAs características elencadas por Flávia para definir o filho são comuns a outras crianças e suscitam questionamentos. Haveria relação entre hiperatividade na infância e dependência de drogas no futuro? Conforme Carlos Salgado, a correlação existe – embora não signifique, necessariamente, que toda criança portadora de déficit de atenção se tornará um potencial viciado na vida adulta.Para Salgado e para o psiquiatra Jair Segal, do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, assim que os pais percebem que a hiperatividade do filho começa a atrapalhar, o mais indicado é procurar ajuda especializada.– Essa atitude pode reduzir os riscos de envolvimento com drogas no futuro – resume Salgado.MATERNIDADE E TRABALHOA sugestão dada por Flávia às outras mãe é contestada pelos três especialistas consultados por ZH. A mulher que trabalha e ajuda no provimento da família, segundo eles, serve de modelo às crianças. Geralmente, é um exemplo positivo. Além disso, para a psiquiatra Carla Bicca, mesmo trabalhando fora, a mãe tem plenas condições de acompanhar o desenvolvimento dos filhos.Esse monitoramento, na opinião de Salgado, deve ser contínuo e pode se dar de várias formas, inclusive por intermédio de familiares e empregados. O importante, segundo ele, é que tanto mães quanto pais sejam capazes de responder a três perguntas básicas, em qualquer momento do dia: onde está o filho, com quem está e o que está fazendo.Uma última dica: se você não puder estar com seu filho o tempo inteiro, procure almoçar com eles. Uma pesquisa feita na Inglaterra, segundo Carla, revelou que famílias que fazem refeições unidas correm menos riscos de ter problemas com drogas.USO DE MACONHAFumar maconha, segundo Segal, pode ser o começo de uma história sem volta, como aconteceu com Tobias. Apesar disso, tanto o consumo da erva quanto o do álcool e do tabaco são, muitas vezes, menosprezados pelos pais – um erro sem perdão, conforme a opinião de Salgado. Para o coordenador do Departamento de Dependência Química da APRS, as famílias devem ter tolerância zero em relação ao uso dessas substâncias por crianças e adolescentes.– Muitos são ingênuos ao pensar que um porre é normal de vez em quando. Mas não é. Se meu filho tem 13, 14 anos e quer beber, minha resposta deve ser dura e intransigente. Negligenciar isso é dar chance às drogas – afirma Salgado.TRATAMENTO E RECAÍDA Usuários de drogas tendem a interromper o tratamento muitas vezes, como aconteceu com Tobias. Cabe aos parentes próximos, segundo os especialistas, supervisionar e ajudar o paciente sempre que houver uma recaída. O tratamento, conforme Segal, não envolve apenas a adesão do viciado, mas também a da família inteira, que não deve fingir que o problema não existe. Segundo Carla, a busca por auxílio especializado deve ser rápida.– No primeiro porre, já se deve reunir a família e chamar para conversar. Se não funcionar, é preciso procurar ajuda – reforça a psiquiatra.FALTA DE LIMITESO gesto mais carinhoso de uma mãe em relação ao filho, na opinião de Salgado, é dizer não – tantas vezes quantas forem necessárias. Em outras palavras, de acordo com Segal, é ensinar a lidar com a frustração e, ao mesmo tempo, impor limites.– Se houver permissividade em excesso, ele vai achar que pode tudo. E isso pode, inclusive, levá-lo às drogas – avalia Segal.Dizer não, segundo o médico, não significa que os pais estarão deixando de ser carinhosos ou cuidadosos – muito pelo contrário. Outra dica importante, conforme Segal, é que o casal, mesmo que esteja vivendo separado, apóie as decisões tomadas pelo parceiro e não se contradiga diante dos pedidos feitos pelo filho.
juliana.bublitz@zerohora.com.brJULIANA BUBLITZ
“Ele era um menino espoleta, bagunceiro, hiperativo.”
“Na infância, acho que a mãe deve deixar de trabalhar e se dedicar absolutamente às famílias.”
“Ele saía com os amiguinhos, começou com a maconhazinha no colégio. Acho que não fui enérgica o suficiente.”
“Ficou 30 dias na Clínica São José. Saiu de lá bem [...] No momento em que parou com o remédio, voltou para a droga.”
“Filho único. Ele sempre me dominou. Tinha um jeitinho de pedir as coisas que eu não podia negar [...] Às vezes, eu brigava com meu marido, que era mais enérgico, para defender ele. Foi muito mimado por mim. Acho que foi esse meu defeito [...]”
FONTE ZEROHORA.COM
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